terça-feira, 19 de abril de 2016

Cultura e Igualdade - algumas reflexões

“As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e a neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade. [...] Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, aptas a inculcar nos atores sociais a utilidade e a necessidade de observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano.” (Gomes, J.B. “O debate constitucional sobre as ações afirmativas”. In: Santos, R. E.) p. 21-22.

Na qualidade de refletir em conjunto com o texto de Joaquim Barbosa Gomes, podemos iniciar a congruência ideológica do debate sobre ações afirmativas em uma sociedade de ilhas de igualdade, onde existe necessariamente uma disposição natural do povo miscigenado a aceitação, de tal forma que somos todos iguais não somente perante a legislação brasileira, mas também perante a nossas frívolas ideologias, que nos tornam alienados na esperança de sermos todos semelhantes, facilitando com isto a manipulação de tantos indivíduos que consequentemente torna a mentira da igualdade racial uma verdade incontestável.

Uma vez que, tomado uma importância maior a partir da década de 1990, a discussão levando em consideração a relevância da homogeneidade constituinte da sociedade brasileira toma a cabo a pluralidade desta, valorizando por si e por outros meios o que um dia poderá ser chamado de consciência, vislumbrando desta forma, não o “cartão de visita” de Criolo nem os confins de restaurantes universitários, mas a simpática e verdadeira existência de indivíduos que constituem universos dentro de si, merecidos respeito histórico pisoteado a mais de 500 anos no país da igualdade, que, aceita no desenvolvimento de sua modernidade que seus cidadãos sejam inescrupulosamente levados à subclasse, colocando assim 90% do país a ofertar-se em um mercado controlado por meramente 10%, dos quais 53% são autodeclarados negros, pardos e indígenas.

Tomado seu primeiro contato a partir da Lei de Nacionalização do Trabalho (lei dos 2/3) datada de 1930, que visava definir uma proporcionalidade de trabalhadores brasileiros em serviço, a política de ações afirmativas no Brasil tem seus rumos que não exclusivamente as cotas universitárias como é costumeiramente imaginado por aqueles que têm seu acesso facilitado, mas sim faz parte de todo um contexto que tenta alcançar uma igualdade material neutralizando os efeitos da discriminação, iluminando o problema da diferenciação, uma vez que, em primeiro lugar aceita o fato dela- a diferença- existir desde quando negros começaram a ser catequizados, em segundo, o Brasil nunca foi um país igualitário, no mínimo, é tão dividido em substratos sociais que os valores econômicos conseguem construir-se em cima de um povo discriminado que, se muito quando eleva expoentes desse povo mono-cromado, é insuficientemente capaz de reconhecer que eles existem, grandes nomes da história, que não, a história dos colonizadores.


Por fim, retemo-nos a nem tão simples questão, aonde estão esses indivíduos de uma população multicultural? Aonde estão os universitários em um espaço dito popular?, dito feito para retornar a sociedade algum tipo de qualquer coisa que seja, aonde estão as pesquisas de gaveta e seus respectivos pesquisadores?, aonde estão os administradores vulgarmente tratados como intelectuais?, muito bem tratados como vossas senhorias... aonde estão os feitores do século XXI?, pois bem, fica essa indicação a eles: cálix-se.

Ouça a música, "W2 Proibida" do Trilha Sonora do Gueto AQUI.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Pausa conceitual: o conceito de Indústria Cultural


Essa postagem trará alguns elementos conceituais para este blog, a partir da reflexão a partir do texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas” de Theodor Adorno e Max Horkheimer, encontrado no livro Dialética do Esclarecimento.

Theodor Adorno

Max Horkheimer

Para os autores, a atual configuração social no mundo capitalista no que se refere à cultura, forma um todo conectado que visa apenas sua autoprodução e autoconsumo, fazendo com que faça parte dessa cultura, cada vez mais um processo de alienação dos seus consumidores. Corroborando com essa tese, os autores distinguem o que para eles seria uma cultura de massas, ou seja, uma cultura produzida para o consumo das massas, e afirmam a existência de uma indústria cultural, que funcionaria assim como toda e qualquer indústria (por exemplo, a automobilística) em ritmo acelerado visando apenas o lucro, em um formato predeterminado e sem preocupação com seu conteúdo.

“Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto. (...) Sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica, e seu esqueleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a delinear. Os dirigentes não estão mais sequer muito interessados em encobri-lo, seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se confessa de público. O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos.” (pp. 99-100)

A racionalidade técnica, que é aquela que pensa o mundo através da ciência e do desenvolvimento tecnológico, tem apenas um objetivo, o da dominação. E essa dominação, assim como a própria racionalidade se desenvolvem pelas estruturas econômicas daqueles que dominam, fazendo com isso que a alienação atinja um novo patamar, está não será apenas aquela alienação das condições de trabalho, mas de certa forma, a alienação de si mesmo, da vida como um todo.

“Os padrões resultado originalmente das necessidades dos consumidores: eis porque são aceitos sem resistência. De fato, o que explica é o círculo da manipulação e da necessidade retroativa, no qual a unidade do sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma.” (p. 100)

Deste modo, na Indústria Cultural, tudo aquilo que é produzido segue uma forma, um formato que deve ser funcional e se refletir em produtos altamente valorizados na vida dos indivíduos que os consomem, a vida, assim, fica submetida a indústria e o espectador nada mais é que um subproduto na cadeia de produção.

“A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho.” (p.105)

“A indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai seu segredo, a obediência à hierarquia social. A barbárie estética consuma hoje a ameaça que sempre pairou sobre as criações do espírito desde que foram reunidas e neutralizadas a título de cultura. Falar em cultura foi sempre contrário à Cultura. O denominador comum “cultura” já contém virtualmente o levantamento estatístico, a catalogação, a classificação que introduz a cultura no domínio da administração. Só a subsunção industrializada e consequente é inteiramente adequada a esse conceito de cultura. Ao subordinar da mesma maneira todos os setores da produção espiritual e este fim único – ocupar os sentidos dos homens da saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao relógio do ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o dia – essa subsunção realiza ironicamente o conceito da cultura unitária que os filósofos da personalidade punham a massificação.” (p.108)

Continuando suas reflexões, os autores se depararão com as questões de como se poderia burlar essa lógica violenta imposta pela indústria cultural, e a resposta vem em tom negativo:

“Quem resiste só pode sobreviver integrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela indústria cultural, ele passa a pertencer a ela assim como o participante da reforma agrária ao capitalismo. A rebeldia realista torna-se a marca registrada de quem tem uma nova ideia a trazer à atividade industrial. A esfera pública da sociedade atual não admite qualquer acusação perceptível em cujo tom os bons entendedores não vislumbrem a proeminência sob cujo signo o revoltado com eles se reconcilia. Quanto mais incomensurável é o abismo entre o coro e os protagonistas, mais certamente haverá lugar entre estes para todo aquele que mostrar sua superioridade por uma notoriedade bem planejada.”

Assim sendo, aqueles que se rebelam contra os moldes e amarras da Indústria Cultural acabam obrigatoriamente por se incorporarem a ela, tendo em vista que o movimento de integração daquilo que se auto-opõe à indústria é permanentemente assimilado, em um jogo sem fim.

Por outro lado, com a característica das fórmulas já pré-moldadas dos produtos culturais, para o espectador, por consequência, aparecem sempre as mesmas imagens da vida cotidiana, que são reproduzidas nas telas, nas rádios e nas revistas, assim vários sentimentos são substituídos pela aparência destes, por aquilo que é visto e sentido através da própria industria.

“Mas o que é novo é que os elementos irreconciliáveis da cultura, da arte e da distração se reduzem mediante sua subordinação ao fim à única fórmula falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição” (p.112)

“A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho. O pretenso conteúdo não passa de uma fachada desbotada; o que fica gravado é a sequencia automatizada de operações padronizadas. Ao processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio. Eis aí a doença incurável de toda diversão.” (p.113)

Assim mais um elemento fundamental surge com relação à Indústria Cultural, com seu fim último já estabelecido, fechando assim seu ciclo de produção: a criação de mercadorias que levam a não separação entre aquilo que está estabelecido pela indústria e aquilo que é necessário a vida do espectador, assim o passo final da alienação é dado em um único tom.

“Conforme o aspecto determinante em cada caso, a ideologia dá ênfase ao planejamento ou ao acaso, à técnica ou a à vida, à civilização ou à natureza. Enquanto empregados, eles são lembrados da organização racional e exortados a se inserir nela com bom-senso. Enquanto clientes, verão o cinema e a imprensa demonstrar-lhes, com base em acontecimentos da vida privada das pessoas, a liberdade da escolha, que é o encanto do incompreendido. Objetos é que continuarão a ser em ambos os casos.” (p.121)


(Nesta postagem foi utilizada a versão do texto publicada em Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos, Jorge Zahar Ed., 1985.)


domingo, 17 de abril de 2016

“Autocracia cultural”: A Onda, Hobbes e a resistência

É possível mensurar o valor de uma cultura? É palpável esse exame feito hoje em dia sobre culturas, onde umas são mais aceitas e investidas, enquanto outras são escondidas e desvalidadas cada vez mais? Proponho, neste post, examinarmos alguns aspectos da ação de 'julgar' uma obra de arte ou uma cultura, segundo valores morais, como bom ou ruim, bonito ou feio, caro ou barato e assim por diante.


Começo minha argumentação contextualizando brevemente sobre como a arte pode ser vista de diferentes modos. Para uma burguesia, ela entretê e distrai. Para uma pessoa que mora na favela, ela carrega seu choros, sua revolta e sua esperança. Para uma pessoa que está do outro lado do mundo, minha poesia gera uma interpretação, para você, gerara outra. O que quero dizer, é que a homogeneidade de interpretações, traz consigo a ideia da subjetividade da produção e da interpretação. Ora, o cuidado e suavidade no esculpimento das esculturas de Giovanni Strazza é claríssima em sua obra “The Veiled Virgin”, mas só isso basta para eu atribuir um valor (e quando digo valor, entende-se por financeiro e moral) e, mediante a esse valor, definir isso como arte? O popular, nesse caso, estaria sendo uma normatização (e não necessariamente da maioria).

The Veiled Virgin”

No filme 'A onda', dirigido por Dennins Gansel, o conceito de autocracia é trabalhado por um professor, durante uma semana em suas aulas. No começo há um grande estranhamento da maioria dos alunos em relação as ordens do professor (que simula uma autocracia, sendo ele a figura simbólica), mas, ao decorrer da semana, os alunos começam a se engajar cada vez mais na trama proposta. Não trabalharei com a história do filme propriamente dita, porém, ele nos dá margem para interpretações acerca de controle, imposição e união que serão bem interessantes.

O poder ilimitado que é construído na autocracia, permite a manutenção de uma massa; com o tempo, imposições acerca de vestimenta, postura e discurso começam a surgir, visando uma uniformidade dos alunos dentro do grupo. A união em busca da unidade se torna um amparo em meio aos problemas dos jovens, e a imposição de valores morais, que são a base constituinte de um julgamento, começam a serem arquitetadas no filme. Ademais, a ideia de pertencer a um movimento, ou seja, uma identidade, precípua o engajamento dos jovens para com o movimento. O que se observa ao decorrer do filme, é o subjetivo sendo cada vez mais suprimido por uma imposição de pensamento dizendo o que há ou não há de ser feito.

Haja feita esse breve levantamento, abre-se um campo de comparação muito forte entra a teoria Hobbesiana e o conteúdo do filme. Basicamente, Hobbes utiliza dois conceitos, que é o de ' estado de natureza ' e ' estado civil ', para arquitetar os possíveis “rumos” que nossas decisões podem desencadear. Vivemos naturalmente no primeiro estado (de natureza), que para ele representa perigo ao homem, visto que, o homem não possui nenhum limitação sobre si e é livre para fazer o que bem entender, pois é amoral. A solução, como preservação da integridade das pessoas é a instauração de uma figura simbólica para fazer exercício do poder e manutenção da sociedade. O soberano, como intitula Hobbes, é o único homem que tem liberdade sem questionamento e legisla para o bem geral; o contrato social é o meio que faz a transição entre o estado de natureza e o estado civil, onde algumas mudanças começam a surgir, como a utilização de documentos ( leis escritas ) ao invés estritamente da palavra, a definição de juízos morais segundo o Soberano, dentre outras coisas ligadas a unificação geral mediada por um poder ilimitado.

Mas onde isso se encaixa na questão cultural? Se tentarmos fazer um paralelo entre a ideia imposta pela autocracia e a exclusão de cultural, veremos aspectos muito semelhantes entre ambos. Aspectos estéticos e ideológicos são construtos feitos a partir d'uma outra ideia; logo, dar valor ( novamente financeiro e moral ) para a cultura, é usar a sua realidade, os seus valores, a sua vivência e afins, para hierarquizar a cultura como um todo.

Concluo, portanto, que a arte e a “cultura popular” sempre vão ter o seu valor, como forma de expressão dentro de um contexto. Porém, a partir do momento em que há um dialogo entre os contextos ,para definir o que é melhor, o que é mais caro e assim por diante, fica uma ideia muito vaga, pois o que é arte e a cultura senão criação, identidade e interpretação? Logo, seu começo, seu meio e seu fim, sempre serão diferentes; a diversidade do conteúdo, da forma, da imaginação, da inspiração e de outras formas de se alcançar a expressividade, sempre serão válidas. Discordância é importante e possui o seu momento, conquanto que haja respeito pela criação e pela diferença do outro, que apesar de outro, é mais um dentre um todo, assim como todos nós.