A arte é a maneira mais eficaz de se tocar as pessoas, isso se mostra de maneira tão intensa na história humana que vemos isso desde sempre, mostrando que sabemos bem o poder dela de passar ideais. Observamos em quase, se não todas, mitologias do mundo ela sendo usada como ferramenta, seja nos poemas de Homero com os deuses gregos, seja nas parábolas contadas por Jesus e registradas por seus apóstolos, porem vemos isso também na filosofia às vezes, como nos diálogos platônicos, como também nas linhas poético narrativas de “Assim falava Zaratustra” de Nietzsche, passando é claro pelas “Confissões” de Santo Agostinho, considerado também uma autobiografia.
Fica claro notar que a arte leva consigo, ao menos uma dessas coisas, filosofias, ideias, valores ou sentimentos, escolho aqui para esse texto, uma obra literária do século XX, precisamente a HQ “Watchman” escrita por Alan Moore, ainda na década de 1980, que além de representar os paradigmas e medos da época, em um mundo assombrado pela a ameaça da guerra fria e seu potencial de aniquilar a humanidade, reflete também questões filosóficas que acompanham o ser humano desde seus primórdios, irei me deter aqui em, trabalhar sobre uma questão levantada no fim da estória, a questão do valor da verdade, da natureza da moral, pondo em questão os próprios fundamentos do pensamento ético e suas contradições.
Um
dos maiores filósofos da história e para muitos o maior representante e ápice
da racionalidade na filosofia moderna é Immanuel Kant, nascido no século XVIII
na Prússia. Produzindo obras extremamente relevantes nas grandes áreas da
filosofia, sendo conhecimento, ética e estética. Notemos aqui a sua concepção
de moral.
Para Kant, o valor moral esta na intencionalidade do sujeito, pois o sujeito
não tem controle sobre as consequências de suas ações no mundo.
Além de que a única coisa que é essencialmente boa é a “boa vontade”, sendo ela,
a base do dever, esse o sendo o fundamento da moral, dever que é o que mostra o
correto ou justo, pois o dever é manifestação da razão, sendo uma lei imposta
por você a si mesmo.
Prosseguindo, Kant ainda cria um método racional para que em qualquer situação
possamos saber agir de acordo com o dever e a razão universal e esse é o
“Imperativo Categórico”, podendo ser ilustrado nesse aforismo: “Aja apenas de
acordo como se sua ação fosse se tornar uma lei universal, tendo as pessoas
como fim nelas mesmo.”
O novo homem, Iluminista, autônomo em sua maioridade intelectual, ira viver em
uma sociedade regida pela razão e por suas leis, onde todos atingiram a
maioridade intelectual, sendo assim, o Imperativo Categórico de Kant, segundo
ele próprio, garantiria a paz perpetua.
Por
outro lado temos o filosofo Inglês, John Stuart Mill, que com sua teoria ética,
acaba por levantar problemas práticos da moral Idealista de Kant. A doutrina
inglesa, conhecida como Utilitarista, visa solucionar os problemas políticos e
éticos, a fim de aprimorar cada vez mais o liberalismo Inglês e sua sociedade.
Mill parte de outra premissa, a de que a única coisa que é essencialmente boa é
a “Felicidade”, entendendo-a como prazer e ausência de dor, portanto ele segue
sua teoria com a Felicidade como base.
Seu sistema, simplificadamente, definiu-se assim: “Quanto mais felicidade for
produzida, para o maior numero de pessoas possíveis, mais corretas será a
ação”.
Conclusão imediata que tiramos ao ler essa máxima é que, não importa em nada o
que você faz, mas sim, o que importa, são as consequências de sua ação.
Vemos
a ética consequencialista de Mill, confrontar diretamente o pensamento de Kant,
que parte do dever. Em “Watchman” é exatamente esse confronto que ocorrer no
último arco da estória e que tratarei agora a discussão.
A partir de
agora [SPOILIER] da HQ/Filme. (Leia ou assista-o, depois volte)
(o contexto
é guerra fria, anos 80, o EUA tem um semideus criado por acidente, seu nome é
Doutor Manhattan, porem tanto EUA como URSS tem poder nuclear para acabar com a
humanidade)
A personagem Ozymandias, o homem mais
inteligente do mundo, consegue concluir seu plano de criar um monstro com
células e tecnologia criadas pelo Doutor Manhattan para destruir New York (ou
como no filme, uma bomba feita com células e tecnologia criada pelo Doutor
Manhattan, explode New York e Moscou), ele a destrói, matando milhões de
pessoas. Rorschach, Coruja, Espectral não conseguem o impedir, o mundo pensa
que o responsável pela tragédia é o Doutor Manhattan.
Ozymandias
luta e vence Rorschach, Coruja e a Espectral, enquanto argumenta contra eles e
Manhattan o porquê ele esta certo e o porquê ninguém deve contar a verdade ao
mundo, ele argumenta que agora, com um inimigo comum, Doutor Manhattan, a
humanidade pela primeira vez na historia ficará em paz, pois imediatamente EUA
e URSS se uniram a fim de proteger-se do deus poderoso e destruidor Doutor
Manhattan, essa mentira ira promover o fim das guerras em nome da sobrevivência
da espécie. Ozymandias diz que matou milhões de pessoas, mas ao fazer isso,
também salvou bilhões de pessoas e evitou que a humanidade acabasse numa guerra
nuclear. Rorschach considera que o certo é dizer a verdade, e que uma paz
fundamentada na mentira não é digna, porem Manhattan esta convencido de que o
melhor, naquele momento, é manter a mentira, então Rorschach diz que não vai
ceder nem diante de deus ou do fim do mundo e se quisesse para-lo teriam que
mata-lo, e então, Manhattan o faz, mata Rorschach, reduzindo-o a uma possa de
sangue.
Acho que
vocês já perceberam quem é quem nessa estória, o idealismo de Rorschach e o
pragmatismo de Ozymandias, mas para fechar vou levantar algumas questões para
sua reflexão:
Rorschach estava certo ou errado em contar a verdade ao mundo?
Você morreria em nome da verdade como Rorschach?
Os fins justificam os meios?
O valor da ação esta nela mesma ou nos seus efeitos?
Kant e Mill vão te ajudar a pensar, reflitam, criem sua visão sobre e é isso, um abraço.