A Internacional
Situacionista foi um grupo de poucos que atuaram ativamente do fim da década de
1950 até sua auto-dissolução definitiva em 1972. De um grupo que tomava para si
discussões a respeito de arte e cultura, logo se transformou em um grupo que
versava sobre política e ação. Sua principal publicação, a revista Internationale Situationniste teve 12
números, nos quais as principais discussões centravam sobre a auto-organização
dos conselhos operários e a critica radical da vida cotidiana, principalmente
aquela permeada pela sociedade do espetáculo.
Esta postagem versará sobre um conceito muito utilizado pelos situacionistas, o détournement que em uma tradução livre para o português significa "desvio, diversão, reencaminhamento, distorção, abuso, malversação, sequestro, ou virar ao contrário do curso ou propósito normal. Às vezes é traduzida como “diversão”, mas esta palavra gera confusão por causa de seu significado mais comum como entretenimento inativo.". Neste texto utilizaremos a tradução de "desvio", por acreditar que ela contenha um significado amplo e se encaixar perfeitamente no tema tratado, que será a Arte e sua subversão.
Os Situacionistas se destacam principalmente por um grupo alinhado e crítico aquilo que se convencionou chamar de Sociedade do Espetáculo, que resumidamente, na visão do grupo, seria aquela sociedade na qual estamos, onde os valores do "ser" se transformaram com o desenvolvimento capitalista para outras formas, que são, primeiramente o "ter" e finalmente, o que seria o estágio atual da sociedade, o "aparecer". Sendo assim, o atual desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo teriam criado uma importância primeva à imagem em detrimento da realidade.
Essas teses podem ser conferidas no filme e livro, Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, principal autor situacionista.
A partir dessa formulação de sociedade, os situacionistas criarão o sentido de "desvio" como forma de corromper essa dinâmica da Sociedade do Espetáculo.
As duas leis fundamentais do desvio apontadas inicialmente seriam: 1) a perda de importância de cada elemento "desviado", que pode ir tão longe a ponto de perder completamente seu sentido original, e, ao mesmo tempo, a 2) reorganização em outro conjunto de significados que confere a cada elemento um novo alcance e efeito.
Essas leis fundamentais podem ser aplicadas como duas formas de desvio: os “menores“, onde é feito um desvio de um elemento que não tem importância própria, e que portanto toma todo seu significado do novo contexto onde foi colocado; e os “enganadores“, onde é feito o desvio de um elemento intrinsecamente significativo, o qual toma um dimensão diferente a partir do novo contexto.
As três imagens acima demonstram algumas práticas do desvio, a utilização de quadrinhos com seus balões com o texto alterado, ou então a farta utilização de pixações em muros, outra grande prática situacionista. O próprio filme de Guy Debord, linkado acima, é uma demonstração clara do uso do desvio, com imagens de arquivo sendo reinterpretadas de seus contextos originais, com o fim de ilustrar a narração, que em si, é crítica ao próprio conteúdo das imagens.
O "desvio" como método para criação na arte é algo ainda muito utilizado hoje, mesmo com a dissolução da Internacional Situacionista. Como escreveu os próprios em seu Guia para o uso do Détournement:
"Na realidade, é necessário eliminar todos resquícios da noção de propriedade pessoal nesta área. O aparecimento das já ultrapassadas novas necessidades por obras “inspiradas”. Elas se tornam obstáculos, hábitos perigosos. Não se trata de gostar ou não delas. Temos que superá-las. Pode-se usar qualquer elemento, não importa de onde eles são tirados, para fazer novas combinações. As descobertas de poesia moderna relativas à estrutura analógica das imagens demonstram que quando são reunidos dois objetos, não importa quão distantes possam estar de seus contextos originais, sempre é formada uma relação. Restringir-se a um arranjo pessoal de palavras é mera convenção. A interferência mútua de dois mundos de sensações, ou a reunião de duas expressões independentes, substitui os elementos originais e produz uma organização sintética de maior eficácia. Pode-se usar qualquer coisa.
Desnecessário dizer que ninguém fica limitado a corrigir uma obra ou a integrar diversos fragmentos de velhas obras em uma nova; a pessoa pode também alterar o significado desses fragmentos do modo que achar mais apropriado, deixando os imbecis com suas servis referências às “citações”. Tais métodos paródicos foram freqüentemente usados para obter efeitos cômicos. Mas tal humor é o resultado das contradições dentro de uma condição cuja existência é tida como certa. Como o mundo da literatura quase sempre nos parece tão distante quanto o da Idade da Pedra, tais contradições não nos fazem rir. É então necessário conceber uma fase paródica-séria onde a acumulação de elementos desviados, longe de contribuir para provocar indignação ou riso em sua alusão a algum trabalho original, expresse nossa indiferença para com um inexpressivo e desprezível original, e se interesse em fazer uma certa sublimação."