domingo, 17 de abril de 2016

“Autocracia cultural”: A Onda, Hobbes e a resistência

É possível mensurar o valor de uma cultura? É palpável esse exame feito hoje em dia sobre culturas, onde umas são mais aceitas e investidas, enquanto outras são escondidas e desvalidadas cada vez mais? Proponho, neste post, examinarmos alguns aspectos da ação de 'julgar' uma obra de arte ou uma cultura, segundo valores morais, como bom ou ruim, bonito ou feio, caro ou barato e assim por diante.


Começo minha argumentação contextualizando brevemente sobre como a arte pode ser vista de diferentes modos. Para uma burguesia, ela entretê e distrai. Para uma pessoa que mora na favela, ela carrega seu choros, sua revolta e sua esperança. Para uma pessoa que está do outro lado do mundo, minha poesia gera uma interpretação, para você, gerara outra. O que quero dizer, é que a homogeneidade de interpretações, traz consigo a ideia da subjetividade da produção e da interpretação. Ora, o cuidado e suavidade no esculpimento das esculturas de Giovanni Strazza é claríssima em sua obra “The Veiled Virgin”, mas só isso basta para eu atribuir um valor (e quando digo valor, entende-se por financeiro e moral) e, mediante a esse valor, definir isso como arte? O popular, nesse caso, estaria sendo uma normatização (e não necessariamente da maioria).

The Veiled Virgin”

No filme 'A onda', dirigido por Dennins Gansel, o conceito de autocracia é trabalhado por um professor, durante uma semana em suas aulas. No começo há um grande estranhamento da maioria dos alunos em relação as ordens do professor (que simula uma autocracia, sendo ele a figura simbólica), mas, ao decorrer da semana, os alunos começam a se engajar cada vez mais na trama proposta. Não trabalharei com a história do filme propriamente dita, porém, ele nos dá margem para interpretações acerca de controle, imposição e união que serão bem interessantes.

O poder ilimitado que é construído na autocracia, permite a manutenção de uma massa; com o tempo, imposições acerca de vestimenta, postura e discurso começam a surgir, visando uma uniformidade dos alunos dentro do grupo. A união em busca da unidade se torna um amparo em meio aos problemas dos jovens, e a imposição de valores morais, que são a base constituinte de um julgamento, começam a serem arquitetadas no filme. Ademais, a ideia de pertencer a um movimento, ou seja, uma identidade, precípua o engajamento dos jovens para com o movimento. O que se observa ao decorrer do filme, é o subjetivo sendo cada vez mais suprimido por uma imposição de pensamento dizendo o que há ou não há de ser feito.

Haja feita esse breve levantamento, abre-se um campo de comparação muito forte entra a teoria Hobbesiana e o conteúdo do filme. Basicamente, Hobbes utiliza dois conceitos, que é o de ' estado de natureza ' e ' estado civil ', para arquitetar os possíveis “rumos” que nossas decisões podem desencadear. Vivemos naturalmente no primeiro estado (de natureza), que para ele representa perigo ao homem, visto que, o homem não possui nenhum limitação sobre si e é livre para fazer o que bem entender, pois é amoral. A solução, como preservação da integridade das pessoas é a instauração de uma figura simbólica para fazer exercício do poder e manutenção da sociedade. O soberano, como intitula Hobbes, é o único homem que tem liberdade sem questionamento e legisla para o bem geral; o contrato social é o meio que faz a transição entre o estado de natureza e o estado civil, onde algumas mudanças começam a surgir, como a utilização de documentos ( leis escritas ) ao invés estritamente da palavra, a definição de juízos morais segundo o Soberano, dentre outras coisas ligadas a unificação geral mediada por um poder ilimitado.

Mas onde isso se encaixa na questão cultural? Se tentarmos fazer um paralelo entre a ideia imposta pela autocracia e a exclusão de cultural, veremos aspectos muito semelhantes entre ambos. Aspectos estéticos e ideológicos são construtos feitos a partir d'uma outra ideia; logo, dar valor ( novamente financeiro e moral ) para a cultura, é usar a sua realidade, os seus valores, a sua vivência e afins, para hierarquizar a cultura como um todo.

Concluo, portanto, que a arte e a “cultura popular” sempre vão ter o seu valor, como forma de expressão dentro de um contexto. Porém, a partir do momento em que há um dialogo entre os contextos ,para definir o que é melhor, o que é mais caro e assim por diante, fica uma ideia muito vaga, pois o que é arte e a cultura senão criação, identidade e interpretação? Logo, seu começo, seu meio e seu fim, sempre serão diferentes; a diversidade do conteúdo, da forma, da imaginação, da inspiração e de outras formas de se alcançar a expressividade, sempre serão válidas. Discordância é importante e possui o seu momento, conquanto que haja respeito pela criação e pela diferença do outro, que apesar de outro, é mais um dentre um todo, assim como todos nós.

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