segunda-feira, 18 de abril de 2016

Pausa conceitual: o conceito de Indústria Cultural


Essa postagem trará alguns elementos conceituais para este blog, a partir da reflexão a partir do texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas” de Theodor Adorno e Max Horkheimer, encontrado no livro Dialética do Esclarecimento.

Theodor Adorno

Max Horkheimer

Para os autores, a atual configuração social no mundo capitalista no que se refere à cultura, forma um todo conectado que visa apenas sua autoprodução e autoconsumo, fazendo com que faça parte dessa cultura, cada vez mais um processo de alienação dos seus consumidores. Corroborando com essa tese, os autores distinguem o que para eles seria uma cultura de massas, ou seja, uma cultura produzida para o consumo das massas, e afirmam a existência de uma indústria cultural, que funcionaria assim como toda e qualquer indústria (por exemplo, a automobilística) em ritmo acelerado visando apenas o lucro, em um formato predeterminado e sem preocupação com seu conteúdo.

“Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto. (...) Sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica, e seu esqueleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a delinear. Os dirigentes não estão mais sequer muito interessados em encobri-lo, seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se confessa de público. O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos.” (pp. 99-100)

A racionalidade técnica, que é aquela que pensa o mundo através da ciência e do desenvolvimento tecnológico, tem apenas um objetivo, o da dominação. E essa dominação, assim como a própria racionalidade se desenvolvem pelas estruturas econômicas daqueles que dominam, fazendo com isso que a alienação atinja um novo patamar, está não será apenas aquela alienação das condições de trabalho, mas de certa forma, a alienação de si mesmo, da vida como um todo.

“Os padrões resultado originalmente das necessidades dos consumidores: eis porque são aceitos sem resistência. De fato, o que explica é o círculo da manipulação e da necessidade retroativa, no qual a unidade do sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma.” (p. 100)

Deste modo, na Indústria Cultural, tudo aquilo que é produzido segue uma forma, um formato que deve ser funcional e se refletir em produtos altamente valorizados na vida dos indivíduos que os consomem, a vida, assim, fica submetida a indústria e o espectador nada mais é que um subproduto na cadeia de produção.

“A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho.” (p.105)

“A indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai seu segredo, a obediência à hierarquia social. A barbárie estética consuma hoje a ameaça que sempre pairou sobre as criações do espírito desde que foram reunidas e neutralizadas a título de cultura. Falar em cultura foi sempre contrário à Cultura. O denominador comum “cultura” já contém virtualmente o levantamento estatístico, a catalogação, a classificação que introduz a cultura no domínio da administração. Só a subsunção industrializada e consequente é inteiramente adequada a esse conceito de cultura. Ao subordinar da mesma maneira todos os setores da produção espiritual e este fim único – ocupar os sentidos dos homens da saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao relógio do ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o dia – essa subsunção realiza ironicamente o conceito da cultura unitária que os filósofos da personalidade punham a massificação.” (p.108)

Continuando suas reflexões, os autores se depararão com as questões de como se poderia burlar essa lógica violenta imposta pela indústria cultural, e a resposta vem em tom negativo:

“Quem resiste só pode sobreviver integrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela indústria cultural, ele passa a pertencer a ela assim como o participante da reforma agrária ao capitalismo. A rebeldia realista torna-se a marca registrada de quem tem uma nova ideia a trazer à atividade industrial. A esfera pública da sociedade atual não admite qualquer acusação perceptível em cujo tom os bons entendedores não vislumbrem a proeminência sob cujo signo o revoltado com eles se reconcilia. Quanto mais incomensurável é o abismo entre o coro e os protagonistas, mais certamente haverá lugar entre estes para todo aquele que mostrar sua superioridade por uma notoriedade bem planejada.”

Assim sendo, aqueles que se rebelam contra os moldes e amarras da Indústria Cultural acabam obrigatoriamente por se incorporarem a ela, tendo em vista que o movimento de integração daquilo que se auto-opõe à indústria é permanentemente assimilado, em um jogo sem fim.

Por outro lado, com a característica das fórmulas já pré-moldadas dos produtos culturais, para o espectador, por consequência, aparecem sempre as mesmas imagens da vida cotidiana, que são reproduzidas nas telas, nas rádios e nas revistas, assim vários sentimentos são substituídos pela aparência destes, por aquilo que é visto e sentido através da própria industria.

“Mas o que é novo é que os elementos irreconciliáveis da cultura, da arte e da distração se reduzem mediante sua subordinação ao fim à única fórmula falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição” (p.112)

“A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho. O pretenso conteúdo não passa de uma fachada desbotada; o que fica gravado é a sequencia automatizada de operações padronizadas. Ao processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio. Eis aí a doença incurável de toda diversão.” (p.113)

Assim mais um elemento fundamental surge com relação à Indústria Cultural, com seu fim último já estabelecido, fechando assim seu ciclo de produção: a criação de mercadorias que levam a não separação entre aquilo que está estabelecido pela indústria e aquilo que é necessário a vida do espectador, assim o passo final da alienação é dado em um único tom.

“Conforme o aspecto determinante em cada caso, a ideologia dá ênfase ao planejamento ou ao acaso, à técnica ou a à vida, à civilização ou à natureza. Enquanto empregados, eles são lembrados da organização racional e exortados a se inserir nela com bom-senso. Enquanto clientes, verão o cinema e a imprensa demonstrar-lhes, com base em acontecimentos da vida privada das pessoas, a liberdade da escolha, que é o encanto do incompreendido. Objetos é que continuarão a ser em ambos os casos.” (p.121)


(Nesta postagem foi utilizada a versão do texto publicada em Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos, Jorge Zahar Ed., 1985.)


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