Essa postagem trará alguns elementos conceituais para este
blog, a partir da reflexão a partir do texto “A Indústria Cultural: o
Esclarecimento como Mistificação das Massas” de Theodor Adorno e Max Horkheimer,
encontrado no livro Dialética do Esclarecimento.
Para os autores, a atual configuração social no mundo
capitalista no que se refere à cultura, forma um todo conectado que visa apenas
sua autoprodução e autoconsumo, fazendo com que faça parte dessa cultura, cada
vez mais um processo de alienação dos seus consumidores. Corroborando com essa
tese, os autores distinguem o que para eles seria uma cultura de massas, ou
seja, uma cultura produzida para o consumo das massas, e afirmam a existência
de uma indústria cultural, que funcionaria assim como toda e qualquer indústria
(por exemplo, a automobilística) em ritmo acelerado visando apenas o lucro, em
um formato predeterminado e sem preocupação com seu conteúdo.
“Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de
semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é
coerente em si mesmo e todos o são em conjunto. (...) Sob o poder do monopólio,
toda cultura de massas é idêntica, e seu esqueleto, a ossatura conceitual
fabricada por aquele, começa a delinear. Os dirigentes não estão mais sequer
muito interessados em encobri-lo, seu poder se fortalece quanto mais
brutalmente ele se confessa de público. O cinema e o rádio não precisam mais se
apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a
utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente
produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas
dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à
necessidade social de seus produtos.” (pp. 99-100)
A racionalidade técnica, que é aquela que
pensa o mundo através da ciência e do desenvolvimento tecnológico, tem apenas
um objetivo, o da dominação. E essa dominação, assim como a própria
racionalidade se desenvolvem pelas estruturas econômicas daqueles que dominam,
fazendo com isso que a alienação atinja um novo patamar, está não será apenas
aquela alienação das condições de trabalho, mas de certa forma, a alienação de
si mesmo, da vida como um todo.
“Os padrões resultado originalmente das necessidades dos
consumidores: eis porque são aceitos sem resistência. De fato, o que explica é
o círculo da manipulação e da necessidade retroativa, no qual a unidade do
sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o terreno no qual
a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente
mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a
racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade
alienada de si mesma.” (p. 100)
Deste modo, na Indústria Cultural, tudo aquilo que é
produzido segue uma forma, um formato que deve ser funcional e se refletir em
produtos altamente valorizados na vida dos indivíduos que os consomem, a vida,
assim, fica submetida a indústria e o espectador nada mais é que um subproduto
na cadeia de produção.
“A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens
de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter certeza de
que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo
da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém,
tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho.”
(p.105)
“A indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo
de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai seu segredo, a obediência à
hierarquia social. A barbárie estética consuma hoje a ameaça que sempre pairou
sobre as criações do espírito desde que foram reunidas e neutralizadas a título
de cultura. Falar em cultura foi sempre contrário à Cultura. O denominador
comum “cultura” já contém virtualmente o levantamento estatístico, a
catalogação, a classificação que introduz a cultura no domínio da
administração. Só a subsunção industrializada e consequente é inteiramente adequada
a esse conceito de cultura. Ao subordinar da mesma maneira todos os setores da
produção espiritual e este fim único – ocupar os sentidos dos homens da saída
da fábrica, à noitinha, até a chegada ao relógio do ponto, na manhã seguinte,
com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o dia – essa subsunção
realiza ironicamente o conceito da cultura unitária que os filósofos da
personalidade punham a massificação.” (p.108)
Continuando suas reflexões, os autores se depararão com as
questões de como se poderia burlar essa lógica violenta imposta pela indústria
cultural, e a resposta vem em tom negativo:
“Quem resiste só pode sobreviver integrando-se. Uma vez
registrado em sua diferença pela indústria cultural, ele passa a pertencer a
ela assim como o participante da reforma agrária ao capitalismo. A rebeldia
realista torna-se a marca registrada de quem tem uma nova ideia a trazer à
atividade industrial. A esfera pública da sociedade atual não admite qualquer
acusação perceptível em cujo tom os bons entendedores não vislumbrem a
proeminência sob cujo signo o revoltado com eles se reconcilia. Quanto mais
incomensurável é o abismo entre o coro e os protagonistas, mais certamente
haverá lugar entre estes para todo aquele que mostrar sua superioridade por uma
notoriedade bem planejada.”
Assim sendo, aqueles que se rebelam contra os moldes e
amarras da Indústria Cultural acabam obrigatoriamente por se incorporarem a
ela, tendo em vista que o movimento de integração daquilo que se auto-opõe à
indústria é permanentemente assimilado, em um jogo sem fim.
Por outro lado, com a característica das fórmulas já
pré-moldadas dos produtos culturais, para o espectador, por consequência,
aparecem sempre as mesmas imagens da vida cotidiana, que são reproduzidas nas
telas, nas rádios e nas revistas, assim vários sentimentos são substituídos
pela aparência destes, por aquilo que é visto e sentido através da própria
industria.
“Mas o que é novo é que os elementos irreconciliáveis da
cultura, da arte e da distração se reduzem mediante sua subordinação ao fim à
única fórmula falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na
repetição” (p.112)
“A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo
tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado,
para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a
mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua
felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias
destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão
as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho. O pretenso conteúdo
não passa de uma fachada desbotada; o que fica gravado é a sequencia
automatizada de operações padronizadas. Ao processo de trabalho na fábrica e no
escritório só se pode escapar adaptando-se a ele durante o ócio. Eis aí a
doença incurável de toda diversão.” (p.113)
Assim mais um elemento fundamental surge com relação à
Indústria Cultural, com seu fim último já estabelecido, fechando assim seu
ciclo de produção: a criação de mercadorias que levam a não separação entre
aquilo que está estabelecido pela indústria e aquilo que é necessário a vida do
espectador, assim o passo final da alienação é dado em um único tom.
“Conforme o aspecto determinante em cada caso, a ideologia
dá ênfase ao planejamento ou ao acaso, à técnica ou a à vida, à civilização ou
à natureza. Enquanto empregados, eles são lembrados da organização racional e
exortados a se inserir nela com bom-senso. Enquanto clientes, verão o cinema e
a imprensa demonstrar-lhes, com base em acontecimentos da vida privada das
pessoas, a liberdade da escolha, que é o encanto do incompreendido. Objetos é
que continuarão a ser em ambos os casos.” (p.121)
(Nesta postagem foi utilizada a versão do texto publicada em
Dialética do Esclarecimento: Fragmentos
Filosóficos, Jorge Zahar Ed., 1985.)
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